Aspectos Jurídicos da terceirização

Aspectos Jurídicos da terceirização

A terceirização é um fenômeno que foi introduzido no Brasil nos anos sessenta e começou a ganhar fôlego a partir dos anos setenta, com a instalação de empresas multinacionais no território brasileiro. Mas, somente no final dos anos oitenta e início dos anos noventa houve uma disseminação desta prática nos setores produtivos brasileiros, quando a estruturação do estado democrático de direito, a abertura do mercado aos produtos estrangeiros e a recessão econômica forçaram as indústrias instaladas no Brasil a reestruturarem sua cadeia produtiva, com o objetivo de garantir competitividade.

Em que pese a terceirização ser levada a efeito por diversas empresas no Brasil há anos, o Poder Legislativo mantem-se inerte, mesmo diante da grande necessidade de regulação normativa. Essa normatização garantiria os direitos dos trabalhadores e daria segurança às empresas na hora de utilizarem funcionários terceirizados.

Diante deste quadro, imperioso foi ao Tribunal Superior do Trabalho – TST editar a súmula 331, que foi o meio encontrado pelo Poder Judiciário para uniformizar o entendimento jurisprudencial pátrio quanto a este tema. Dessa  forma, diante da omissão legislativa, esta súmula possui a função de norma regulatória da terceirização, ao menos até o Congresso Nacional aprovar lei regulamentando este tema.

Portanto, considerando o teor da súmula 331, temos que a terceirização no Brasil é admitida e considerada lícita nos seguintes casos: (I) em casos de trabalho temporário; (II) no caso de contratação de serviço de vigilância; (II) na contratação de serviço limpeza e conservação; e (IV) nas atividades especializadas ligadas à “atividade meio” do tomador.

Enumeradas as possibilidades admitidas pelos tribunais pátrios para que uma empresa possa terceirizar uma atividade, necessário se faz dissertar e explicar cada uma das hipóteses.

A terceirização da atividade fim da sociedade em casos de trabalho temporário é autorizado pelo inciso I, da súmula 331, do TST. Por trabalho temporário temos, segundo a lei 6.019/74, aquele prestado para atender a uma necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente ou acréscimo extraordinário de serviços.

Em outras palavras, a atividade relacionada diretamente com o fim da empresa pode ser terceirizada para suprir uma necessidade transitória de substiuição de pessoal regular e permanente. Exemplos clássicos de necessidade transitória de substituição que justifica a terceirização da atividade fim é quando um funcionário está de férias ou licença maternidade.

Outra forma de terceirizar a atividade fim, na modalidade de contratação temporária, segundo a Lei 6.019/79, é se houver o acréscimo extraordinário de serviços, ou seja, se for necessário à empresa tomadora aumentar seu quadro de funcionários por um curto período em virtude de uma demanda extraordinária nos seus seviços. Neste caso, é imaginável e justificável que uma empresa de chocolates, por exemplo, tenha que aumentar sua produção meses antes da páscoa, podendo valer-se da terceirização.

Entretanto, mister se faz esclarecer que para a terceirização da atividade fim ser considerada lícita, é necessário que todos os requisítos do trabalho temporário estejam presentes. Portanto, analisando a Lei 6.019/74 (que regulamenta o contrato temporário) nota-se a necessidade de existir um contrato escrito entre a tomadora e a empresa que fornece funcionários qualificados para exercerem a função temporária, sendo que neste contrato deve ter o motivo justificador da cessão dos funcionários terceirizados à tomadora.

Ademais, deve-se atentar ao fato de que o contrato temporário pode vigir até, no máximo, 03 (três) meses quanto ao mesmo empregado, devendo constar no contrato o termo inicial e final da prestação do serviço. Sendo este prazo superior, é possível que hava o reconhecimento do vínculo do funcionário com a tomadora do serviço, salvo a hipótese de existir autorização expressa de órgão vinculado ao Ministério do Trabalho.

Já quanto à terceirização da atividade meio verifica-se, pela redação da súmula 331, do TST, que a contratação de empregados terceirizados para laborarem na atividade meio do tomador é possível, desde que inexista pessoalidade e subordniação direta entre o empregado e a empresa tomadora. Portanto, a tomadora não poderá exigir que a terceirizada forneça algum trabalhador específico, nem poderá utilizar seu poder de gerência sob este trabalhador, devendo sempre exigir que a empresa terceirizada dê as orientações necessárias. Caso contrário, poderá ter o reconhecimento de vínculo trabalhista entre a tomadora e este funcionário, com a incidência das verbas trabalhistas devidas.

Contudo, em que pese a súmula autorizar a contratação de terceirizados para exercer a atividade meio, fato é que há grande discussão nos tribunais sobre o que significa o termo “atividade-meio”. Assim, há uma constante insegurança e risco para a tomadora em terceirizar a sua atividade meio, já que a Justiça do Trabalho pode entender que a atividade terceirizada como meio é, na verdade, fim.

Isso porque é muito difícil no campo prático identificar se a função terceirizada é ligada à atividade fim ou meio da empresa. Um dos métodos mais utilizados é a análise do contrato ou estatuto social da sociedade para averiguar se a função terceirizada é, de fato, ligado ao objeto fim da tomadora ou não. Todavia, não há segurança ao tomador em verificar se a atividade terceirizada será realmente considerada como meio em eventual Reclamação Trabalhista, devendo os empresários terem muito cuidado e cautela na terceirização das atividades meios.

Muito embora haja uma insegurança na definição da atividade meio passível de ser terceirizada licitamente, destaca-se que a súmula 331, do TST é muito clara ao afirmar que as funções de vigilância – constante na Lei 7.102/83 – e de conservação e limpeza inserem-se na aludida relação. Porém, novamente devemos ressaltar a importância de não haver subordinação e pessoalidade entre os funcionários terceirizados e a tomadora.

Ultrapassada a análise das hipóteses de terceirização lícita e ilícita, importante é averiguar a responsabilidade da empresa tomadora do serviço. Sendo lícita a terceirização, ou seja, obedecendo os requisítos acima elencados, o vínculo trabalhista dos funcionários estabelece-se com a prestadora de serviço, tendo a empresa tomadora responsabilidade subsidiária.

Assim, na terceirização lícita, a tomadora somente poderá ser responsada se a prestadora for inadimplente no pagamento das verbas devidas. Entretanto, cumpre ressaltar ser cabível a ação de regresso por parte da contratante pleiteando o recebimento destes valores dos valores eventualmente desembolsados por ela a este título.

Contudo, se a terceirização foi considerada ilícita, o vínculo de emprego é formado com a tomadora de serviço e a responsabilidade pelo pagamento das verbas trabalhistas devidas é solidária, ou seja, tanto a prestadora de serviço como a tomadora respondem igualmente pela integralidade das verbas que o empregado teria direito.

Neste ponto, ressalta-se que se a administração pública for a tomadora do serviço, terá responsabilidade subsidiária sem a formação do vínculo empregatício no caso da terceirização lícita, igual ocorre com os particulares. Entretanto, caso a terceirização seja ilícita, não haverá a formação de vínculo com a administração pública, já que segundo o art. 37, da Constituição Federal, é vedado o ingresso de particulares nos quadros da administração sem a realização de concurso público.

Assim, o posicionamento majoritário existente é no sentido de que, no caso de terceirização ilícita envolvendo entidade da administração pública, haverá a manutenção do vínculo empregatício com a empresa prestadora, mas haverá a responsabilidade do estado em arcar com as verbas trabalhistas, as quais consistirão nos mesmos benefícios que gozam os empregados da tomadora de serviços.

Voltando a análise para a responsabilidade dos particulares, percebe-se que há a necessidade da tomadora contratar uma prestadora de serviço idônea, reconhecida no mercado e que tenha codições de arcar com eventuais indenizações. Caso contrário, mesmo sendo lícita a terceirização, haverá o dever da tomadora indenizar os empregados terceirizados em virtude da responsabilidade subsidiária.

Além disso, é imprescindível que o contrato de prestação de serviço firmado entre a prestadora e a tomadora preveja, expressamente, o dever da prestadora comprovar, periodicamente, que todas as verbas devidas foram recolhidas (incluindo salário, 13º, férias, recolhimento ao INSS e FGTS).

Esta comprovação poderá ser feita com o simples envio de holerites e comprovantes de depósito dos salários e FGTS, que deverão ser arquivados na empresa tomadora. Importante frisar que o contrato de prestação de serviço deve estipular a retenção da fatura até que estes comprovantes sejam enviados pela prestadora.

Esta medida é necessária para que a tomadora do serviço tenha certeza de que as verbas trabalhistas estão sendo corretamente quitadas. Caso contrário, em decorrência da responsabilidade subsidiária, poderá a tomadora ser condenada ao pagamento integral destes valores se a empresa prestadora não estiver pagando adequadamente as verbas ou caso a prestadora feche as portas.

Considerando-se que o instituto da terceirização é carente de norma, devem os empresários basearem-se na súmula 331, do TST. Além disso, devem ter muito cuidado na escolha da empresa prestadora, escolhendo uma com idoneidade reconhecida no mercado.

 

Gustavo Miguez Costa – Advogado do Brum & Advogados Associados Vitória/ES e pós graduando em Direito Empresarial pela FGV.