O atraso de obras e a excessiva judicialização da relação…

O atraso de obras e a excessiva judicialização da relação entre construtoras e consumidores: a necessidade de estabelecimento de um novo paradigma contratual no setor imobiliário

O aquecimento que nos últimos tempos vive o mercado da construção civil não é mais novidade para ninguém. Seja em razão do crescimento do número de brasileiros na classe média, seja por motivos do cenário econômico, de incentivos do governo ou da fartura de crédito, fato é que nos últimos anos o mercado imobiliário experimentou um considerável crescimento.

O boom imobiliário, no entanto, não foi acompanhada na mesma velocidade pelos setores que o deveriam alimentar, como fornecedores e mão-de-obra qualificada, por exemplo. Tais fatores, dentre outros, impuseram um freio ao crescimento do setor e acabaram, em diversas ocasiões, impedindo as construtoras de cumprirem os cronogramas estabelecidos para as obras. Resultado: milhares de unidades sendo construídas e grande parte delas sofrendo atraso na entrega ao consumidor.

O crescimento deste mercador e a ocorrência de atraso em grande parte das obras provocou o aumento de demandas num outro setor: o Judiciário. Se é bem verdade que a classe média brasileira ganhou milhares de novos “membros”, também o é o fato de que estes mesmos cidadãos acessam com mais facilidade as salas da Justiça.

Normalmente as construtoras ou incorporadoras redigem a minuta padrão do contrato de compra e venda da unidade imobiliária no intento de se protegerem de situações como esta. O problema é que, à luz do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, o contrato pode ser levado à avaliação da justiça para que afaste cláusulas que desequilibram a relação entre ambas as partes que formalizam o negócio.

Em razão disso, o número de ações judiciais propostas pelos consumidores que se sentem lesados pelo atraso na entrega de seus imóveis cresceu na mesma velocidade e em semelhante proporção como se expandiu o próprio mercado imobiliário.

E o judiciário, no mais das vezes, tem considerado o consumidor com a razão. Resultado típico de ações ajuizadas com fundamento em atraso de conclusão das obras é a condenação do empreendedor ao pagamento de indenização em valor igual ao que renderia o imóvel se estivesse alugado pelo período em que se planejou e prometeu a entrega da unidade até a data de sua efetiva entrega. Outra solução comum é o atendimento ao pedido do consumidor pelo desfazimento do negócio. Neste caso, além de receber todos os valores pagos devidamente atualizados e acrescidos de juros, o consumidor é dispensado do pagamento das diversas multas contratualmente impostas.

Não raras vezes a estas condenações são somadas indenizações por danos morais, decorrentes do atraso na realização do “sonho da casa própria” ou da frustração experimentada, por exemplo, pelos noivos que planejam as núpcias baseados no calendário das obras da futura casa, mas que depois da cerimônia aguardam na casa dos pais a entrega do seu próprio lar.

Mais recentemente o Superior Tribunal Justiça, instado a se manifestar sobre o desequilíbrio entre as obrigações contratuais impostos ao consumidor e à construtora, decidiu por impor a esta o pagamento da mesma multa que contrato impunha ao consumidor, no caso de inadimplemento.

Neste caso, além da devolução integral dos valores – atualizados e acrescidos dos juros – a construtora houve de suportar o pagamento de uma penalidade que originalmente apenas estava prevista para a hipótese de inadimplemento por parte do consumidor.

A solução, portanto, não passa pela simples anotação no contrato de cláusulas que excluem a responsabilidade do empreendedor em qualquer situação e muito menos em repetir tais cláusulas como argumento de defesa nas ações judiciais. Ora, nestes tempos de judicialização das relações de consumo, não é suficiente a redação de um contrato benevolente com o empreendedor e severo com o consumidor.

É preciso mais do que isso: formular um contrato equilibrado, em que sejam especificadas situações que verdadeiramente tenham relevo no cronograma das obras. Situações específicas e particulares, conforme o grau de importância a influenciar o sucesso do negócio, devem ser deste mesmo modo tratadas – e não simplesmente abrigadas sobre o amplo guarda-chuva que genericamente pretende proteger o empreendedor de toda e qualquer responsabilidade.

O modelo atualmente adotado, por pretender de forma excessiva a proteção do empreendedor, acaba invalidado pelo Judiciário, deixando a descoberto situações que efetivamente mereçam a proteção contratual.

Rodolfo Santos Silvestre - Advogado do Escritório Brum & Advogados Associados em Vitória/ES.