A possibilidade de lavratura de uma única escritura para…

A possibilidade de lavratura de uma única escritura para operações sucessivas relativas a um mesmo imóvel

Dúvida muito comum que atualmente vem surgindo, diante das diversas operações que vem ocorrendo nos dias atuais no aquecido mercado de imóveis, é quanto a possibilidade de, numa escriturar, anotarem-se duas sucessivas operações de compra e venda de determinado imóvel.

Não são raras as vezes em que o investidor – ou mesmo o consumidor comum, sem pretensões de ser um player do mercado imobiliário – firma compromisso de compra e venda de imóvel em construção e, posteriormente, negociou o imóvel (ou os direitos sobre o futuro imóvel) com terceiro, com quem também firam um contrato de compromisso de compra e venda.

Normalmente os cartórios confeccionam uma escritura para cada operação. Mas se o objeto da negociação é o mesmo imóvel (ou os mesmos direitos sobre determinado futuro imóvel), não se poderia anotar as sucessivas operações numa só escritura?

A questão desperta interesse, pois, sendo possível a realização de apenas um ato cartorário, os custos e despesas daí decorrentes seriam sensivelmente reduzidos.

Para responder ao questionamento, necessária a análise da lei de registros públicos. Referida lei prevê em seu Título V o Registro de Imóveis. O Capítulo II do referido Título trata da escrituração.

O art. 172 da lei dispõe que:

Art. 172 – No Registro de Imóveis serão feitos, nos termos desta Lei, o registro e a averbação dos títulos ou atos constitutivos, declaratórios, translativos e extintos de direitos reais sobre imóveis reconhecidos em lei, inter vivos ou mortis causa quer para sua constituição, transferência e extinção, quer para sua validade em relação a terceiros, quer para a sua disponibilidade.

Os dispositivos seguintes tratam dos livros que deverão ser mantidos pelo Cartório de Registro de Imóveis e das informações que neles deverão constar, além do modo como os oficiais de registro deverão lançá-las.

Ainda nos termos da lei, os Cartórios devem manter o livro de Registro Geral, no qual são anotadas as matrículas dos imóveis e as necessárias averbações:

Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3. (grifamos)

Dentre os atos que devem ser averbados está o compromisso de compra e venda, constante do rol do art. 167 a que faz referência o dispositivo transcrito.

Para a averbação de compromissos de compra e venda e, do mesmo modo, para a compra e venda propriamente dita, a lei anota todo o procedimento e faz diversas exigências quanto às informações a e documentos que devem ser apresentados, especialmente quanto à identificação do imóvel, das pessoas envolvidas na operação, bem como quanto ao título e valor da operação.

Expressamente, estes os requisitos para escrituração que deverá constar no livro de que trata o art. 176:

III – são requisitos do registro no Livro nº 2:

1) a data;

2) o nome, domicílio e nacionalidade do transmitente, ou do devedor, e do adquirente, ou credor, bem como:

a) tratando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou, à falta deste, sua filiação;

b) tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda;

3) o título da transmissão ou do ônus;

4) a forma do título, sua procedência e caracterização;

5) o valor do contrato, da coisa ou da dívida, prazo desta, condições e mais especificações, inclusive os juros, se houver.

A lei não traz qualquer previsão quanto à escrituração de uma ou mais operações nem de um ou mais atos relacionados no art. 167.

Sendo assim, não havendo tratamento expresso e, portanto, inexistindo vedação expressa, não se verifica, em decorrência da Lei de Registros Públicos, qualquer impedimento à lavratura de uma única escritura para duas operações sucessivas que tem como objeto o mesmo imóvel.

Considerando que às Corregedorias Estaduais de Justiça cumpre regular os serviços notariais extrajudiciais, importante avaliar, em cada localidade, ser os regramentos do órgão judiciário trazem algum impedimento não previsto pela lei de registros públicos.

No âmbito do estado do Espírito Santo, a Corregedoria Geral de Justiça disciplinou a atividade dos ofícios de registro de imóveis em seu Código de Normas, revisado e consolidado pelo Provimento nº 038/2005, especificamente no Capítulo XV.

O Código de Normas regulamenta as disposições da Lei de Registros Públicos e resume-se a especificar alguns procedimentos, sem trazer qualquer inovação, como se deve esperar de todos os atos regulamentares.

Assim procedendo, o Código de Normas, a exemplo da lei de registros públicos não traz qualquer impedimento à lavratura em apenas uma escritura tratando de duas operações de compra e venda sucessivas.

Outros regramentos poderiam ter influência sobre o tema. Com efeito, a Lei 7.433/85, regulamentada pelo Decreto nº 93.240/86, trata sobre os requisitos para lavratura de escrituras públicas.

A referida lei, a exemplo da Lei de Registros Públicos, em momento algum faz referência – e muito menos restringe – à possibilidade de se tratar, numa única escritura, de operações sucessivas.

 No mesmo sentido, o decreto regulamentador não traz qualquer referência à hipótese sob consulta.

Conforme se observa, não há qualquer impedimento para que seja lavrada uma só escritura para anotação de operações sucessivas relacionadas ao mesmo imóvel. Logicamente, as partes envolvidas em ambas as operações devem comparecer ao ato registral. Assim, aqueles que figuram como “intermediários” nas operações – ou seja, aqueles que não são o vendedor originário e o comprador que, ao final, será o titular do bem – deverão figurar como intervenientes, garantindo a legitimidade da transferência dos direitos nas sucessivas operações ocorridas.

Neste sentido, diante da ausência de expressa vedação legal ou regulamentar, conclui-se pela possibilidade de escrituração, num só instrumento, de sucessivas operações relativas ao mesmo imóvel.

Rodolfo Santos Silvestre  – Advogado do Escritório Brum & Advogados Associados em Vitória/ES.


6 Comentários para esta entrada

Juliana Paiva
agosto 13th, 2015 on 11:54

Caro Rodolfo, primeiramente gostaria de parabenizá-lo por escrever sobre um tema tão polêmico quanto este, pois bem, depois que li aqui no site sobre o assunto tentei argumentar com a cartorária sobre o assunto, e ela faltou me mandar embora do cartório. Gostaria de sanar um dúvida que ainda me restou: fazer em uma única escritura duas operações sucessivas relativas ao mesmo imóvel, isso seria uma averbação na escritura? Isso é possível?
Obrigada pela atenção,
Juliana

Brum & Advogados
outubro 2nd, 2015 on 11:22

Obrigado pela visita, respondida por e-mail.

João
setembro 20th, 2017 on 22:38

Prezados, boa noite!!!
Estou pesquisando sobre este assunto e me deparei com este artigo. Tenho uma duvida bem pertinente a este assunto. Estou adquirindo um imovel rural sendo que este está dividido em duas TRANSCRIÇÕES…e o atual proprietário possui uma unica escritura mencionando as duas transcrições. A duvida é: para se lavrar a nova escritura, o cartório existe que seja lavrada duas escrituras, uma para cada transcrição… Ora, se o proprietário atual o qual estou adquirindo o imovel possui uma unica escritura, nao poderia o cartorio lavrar apenas uma unica escritura, pois assim teria apenas custo com uma escritura….. Lembrando que estes dois lotes referentes a estas duas transcrições são lotes germinados…
Grato
Joao

Brum & Advogados
setembro 22nd, 2017 on 13:23

Obrigado pela sua visita, estaremos entrando em contato.

Heerivelto
fevereiro 8th, 2018 on 9:39

Olá, uma duvida em relação a matéria, 2 atos na mesma escritura: Quantos ITBIs, quantos registros e despesas cartorárias? Grato

Clara de Souza Martins Boechat
julho 17th, 2018 on 11:04

Por uma acaso me deparei com este artigo e me senti obrigada a tecer os seguintes comentários:
1- A escritura pública pode conter mais de um negócio jurídico, relativo ao mesmo imóvel ou imóveis diferentes, fato pacífico na doutrina.
2- O fato de dois ou mais negócios jurídicos constarem em uma mesma escritura pública não afasta a obrigação do tabelião exigir o recolhimento dos emolumentos por cada negócio jurídico realizado e do imposto de transmissão incidentes sobre o caso, ou seja, não há economia alguma. Caso não cobre por cada ato responderá pessoalmente com seu patrimônio perante o Tribunal de Justiça (emolumentos) e à Fazenda (impostos de transmissão), pois estamos falando de tributos, que não podem ser dispensados pelo delegatário.
3- Recebo vários clientes que inicialmente desejam fazer escritura pública única contendo inventário e doação da parte herdada e partilhada, acreditando que isso gerará economia, mas não é verdade, o custo é o mesmo. Muitas vezes reunir atos diferentes na mesma escritura apenas complica as coisas. Neste caso citado, por exemplo, a doação ficará arquivada no livro de inventários e a escritura trará informações e certidões referentes a cada operação, dificultando a compreensão de quem lê o instrumento.
4- Há casos, contudo, em que é interessante reunir os atos na mesma escritura, tal como dação em pagamento contendo vários bens; Renúncia à herança e inventário e partilha, etc.

Att,

Clara Boechat

P.S: Abraço ao meu amigo, Ricardo Brum.