Custo e lucro Brasil: as mazelas enfrentadas…

Custo e lucro Brasil: as mazelas enfrentadas pelo empresário e consumidor, do início da cadeia produtiva às prateleiras.

 


O Brasil, há tempos, já não pode se orgulhar de ser um país barato para se viver. O gargalo supra e infraestrutural, o excesso de burocracia, as despesas desvirtuadas na cadeia produtiva e – como nunca podemos esquecer – a carga tributária confiscatória imposta pelo Estado fez com que fosse criado um termo próprio, em nossa pátria amada, para descrever a união dos parasitas supracitados: o Custo Brasil.

Tudo isso já é fato notório e indiscutível, enraizado em nossa cultura e embutido no bê-á-bá empresarial brasileiro.

Os investimentos na logística de cargas e passageiros foram tão minorados durante as últimas décadas que não há mais competitividade entre o Brasil e qualquer outro país emergente no globo terrestre. Ainda que existam tentativas de revitalização da nossa malha ferroviária, hidroviária e rodoviária (leia-se, PAC e PAC 2), temos, por exemplo, que um frete entre São Paulo à Salvador custa R$ 1,8 mil, enquanto, para cobrir uma distância um pouco menor, o negócio chinês gasta apenas R$ 320[1].

Eu, advogado, também sou parte desse custo. Assim como são os contadores, controllers, gestores, entre outros profissionais. Uma empresa alemã, que possui uma legislação tributária complexa, gasta, em média, 221 horas/ano com o preenchimento de formulários com declarações para atender o Fisco Germânico. Por outra via, gastamos aqui cerca de 2.600 horas/ano[2].

São diversos tipos de declarações correlacionadas, quais sejam dos débitos e créditos tributários, informações econômico-financeiras e apuração das Contribuições Sociais que poderiam ser apresentadas em um único sistema eletrônico, tal como é feito na Alemanha. Só essa medida, por exemplo, reduziria em até 30% o quadro de empregados que calculam os tributos e preenchem os formulários mencionados, segundo especialistas[3].

Outro aspecto importantíssimo para a composição do Custo Brasil está no preço da energia no país. O principal insumo da indústria brasileira custa 50% a mais do que a média mundial. Tal despesa soma incríveis 50% do custo para fabricação de alumínio, e 40% para a fabricação de vidro. Um corte em alguns dos impostos – como o ICMS, e o PIS/Cofins –, como é da vontade da presidenta Dilma Vana Rousseff[4], reduziria drasticamente o preço da energia, pois compõem 45% de seu preço.

Não fosse o suficiente, lembro que, como já escrito em artigo anterior, a carga tributária brasileira chega a níveis confiscatórios. O país é o segundo país do planeta onde mais se trabalha para pagar tributos, perdendo apenas para a Suécia[5]. Em 2011, foram 149 dias de trabalho apenas para o recolhimento de tributos, quase o dobro dos dias gastos na década de 70, quando gastávamos 76 dias. Nas empresas, em média, 47% do lucro são destinados ao pagamento de tributos[6].

Tais dados não poderiam gerar resultados diferentes: as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro continuam entre as mais caras do mundo para viver, segundo a lista elaborada para consultoria Mercer[7], ocupando as 12ª e 13ª posições do ranking global. Com este alto ‘cost of living’, as capitais brasileiras superam o custo de vida de qualquer cidade americana.

Outro interessante índice mundialmente conhecido é a ‘moeda Big Mac’, a qual se baseia no valor do sanduíche, em dólares, da multinacional McDonald’s em cada país do mundo. Não deu outra: no Brasil, país com altíssimo volume de vendas, ele é o 4º mais caro do planeta.

Mas será que o Custo Brasil é o exclusivo culpado pelo alto custo de vida no país? Será que, em certos setores da economia, não há outro fator que contribua com o alto preço suportado pelo consumidor? Não soa estranho quando um parente ou amigo viaja e nos conta da barganha que fizeram no mercado norte americano?

A verdade é que há no país, principalmente na indústria dos bens de consumo, em especial nos setores bancário, eletrônico, automobilístico e de vestuários, uma altíssima margem de lucro, a qual foi intitulada, ironicamente, de Lucro Brasil.

Essa assertiva é comprovada por números, e contra eles não há argumentos. O Honda City LX, que é fabricado no interior de São Paulo, é vendido no México pela bagatela de R$ 25.800,00. Neste preço já estão incluídos o frete e a margem de lucro da revenda, que giram em torno de R$ 5.500,00. Portanto, temos que o carro, faturado para o México, já com a margem de lucro da montadora brasileira, custa aqui apenas R$ 20.300,00[8].

Somando nossa perceptível carga tributária de 29,2% (R$ 16.413,32) e a margem de lucro da concessionária nacional de 10% (R$ 3.979,66) a essa quantia, temos que o veículo japonês deveria ser vendido por R$ 40.692,00. Contudo, ele é vendido por R$56.210,00. Façam as contas. Os R$ 15.518,00 são o ‘Lucro Brasil’[9].

Esse é apenas um dos exemplos que se empilham no setor automobilístico, e são repetidos em casos de exportação e importação, com ou sem benefícios fiscais. A má fama dos preços brasileiros já se espalhou pelo mundo. Até a renomada revista Forbes, em seu artigo “O ridículo Jeep Grand Cherokee de $80,000 dos brasileiros”[10] rechaça o pensamento dos brasileiros, os quais consideram carros como Toyota Corolla, Honda Civic, Jeep Grand Cherokee como luxuosos. Por fim, o artigo explicita que o povo brasileiro está sendo roubado.

O setor bancário no país, por sua vez, também contabiliza os maiores lucros proporcionais a nível mundial. Ainda com a crise batendo na porta do setor, aqui no ano passado foram batidos recordes: o Itaú Unibanco lucrou R$ 14,62 bilhões, o Bradesco R$ 11,028 bilhões, e o Santander, R$ 5,953 bilhões[11].

Isso se deve principalmente ao alto “spread” – diferença entre a taxa de juros cobrada aos tomadores de crédito e a taxa de juros paga aos depositantes pelos bancos –; praticado pelos bancos pátrios, que, em média, é 9,5 vezes maior do que os utilizados pelos bancos de países com uma estrutura organizacional semelhante à nossa[12].

Em pontos percentuais, as nossas instituições bancárias tem como “spread” 28,5 pontos percentuais, ante os spreads de 3,7 pontos, 3,6 pontos, 3,2 pontos, 3,1 pontos, 3 pontos, 1,8 ponto e um ponto percentual de, respectivamente, México, Rússia, Austrália, China, Canadá, Coreia do Sul e Japão[13].

Esses são apenas exemplos pontuais trazidos neste artigo, mas que afetam vários setores da economia, como já publicado nas grandes revistas, como Veja e Época.

Ressalta-se, ainda, que, por se tratarem de setores que fornecem mercadorias essenciais a outros negócios, o próprio Lucro Brasil de algumas se torna o Custo Brasil de outras. E o ciclo se torna vicioso.

Portanto, vê-se, com clareza, que não é só o custo que compõe o preço de alguns produtos pátrios, mas também que o excessivo lucro de certas empresas envenena e atrasa a economia brasileira.

Medidas já foram tomadas, como a redução espontânea do “spread” dos bancos privados por causa da redução, pelos bancos Estatais, das taxas de juros nas principais linhas de créditos, como também o pedido do governo de abertura das margens de lucro das montadoras, que foi formulado a partir do último incentivo de IPI, com o objetivo de reduzir o preço dos veículos nacionais[14].

A conclusão que fica, no presente trabalho, é que, caso não sejam tomadas diversas outras medidas impactantes, seja contra o Custo, seja contra o Lucro Brasil, seremos atormentados pela falta de poder de compra e fadados a ser uma nação com falta de competitividade mundial em todos os ramos e setores da economia.

Roberto Baumgarten Kuster, bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, advogado da área tributária do Escritório Brum & Advogados Associados em Vitória/ES e pós-graduando em Direito material e processual tributário no Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET.



[1] 6 ideias para destravar a economia. Matéria do periódico Exame. Edição 1018. Ano 46, nº 11 de 13/06/2012. Pág. 55 e seguintes.

[2] Ibidem. Pag. 55 e seguintes.

[3] Ibidem. Pag. 55 e seguintes.

[4] Estados terão compensação para cortar ICMS da energia. Matéria do sítio eletrônico da Valor Econômico. Disponível em: <http://www.valor.com.br/politica/2763682/estados-terao-compensacao-para-cortar-icms-da-energia>. Acesso em: 25/07/2012.

[5] Brasileiro trabalha 150 dias para pagar impostos. Matéria do sítio eletrônico da revista Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/noticia/economia/brasileiro-trabalha-150-dias-para-pagar-impostos>. Acesso em: 20/07/2012.

[6] RACE – Revista de Administração, Contabilidade e Economia, Unoesc, v. 8, n. 2, p. 197, jul./dez. 2009. ISSN: 2179-4936.

[7] MERCER’S 2012 COST OF LIVING SURVEY CITY RANKINGS – GLOBAL OVERVIEW. Matéria do sítio eletrônico da empresa de consultoria Mercer. Disponível em: http://www.mercer.com/articles/cost-of-living-2012>. Acesso em: 23/07/2012.

[8]Lucro Brasil faz consumidor pagar o carro mais caro do mundo. Matéria do sítio eletrônico da Webmotors. Disponível em: <http://revista.webmotors.com.br/mercado/custo-brasil-nao/1334081736157>. Acesso em 20/07/2012.

[9] Ibidem.

[10] Brazil’s Ridiculous $80,000 Jeep Grand Cherokee. Matéria extraída do site Forbes.com. Disponível em: <http://www.forbes.com/sites/kenrapoza/2012/08/11/brazils-ridiculous-80000-jeep-grand-cherokee/> Acesso em 27/09/2012.

[11]  Itaú Unibanco tem lucro recorde entre bancos em 2011, diz consultoria . Matéria extraída do site Estadao.com. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,itau-unibanco-tem-lucro-recorde-entre-bancos-em-2011-diz-consultoria,102011,0.htm>. Acesso em 01/10/2012.

[12] ‘Spread’ bancário do Brasil é um dos maiores do mundo, diz Fazenda. Matéria extraída do site Globo.com. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2012/05/spread-bancario-do-brasil-e-um-dos-maiores-do-mundo-diz-fazenda.html>. Acesso em 01/08/2012.

[13] Ibidem.

[14] Dilma quer abrir ‘caixa-preta’ de montadoras e cortar lucros. Matéria extraída do site Folha.com. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/45248-dilma-quer-abrir-caixa-preta-de-montadoras-e-cortar-lucros.shtml>. Acesso em 01/08/2012.