O tempo e o processo de sucessão empresarial

Tenho trabalhado, nos últimos anos, com muita intensidade em processos de sucessão nas empresas familiares. E, recentemente, dois fatos me fizeram refletir sobre a questão tempo.

Ao iniciar um trabalho de assessoria em uma empresa familiar com trinta anos de existência, deparei-me com a pré-aprovação de uma regra que obrigava todos os sócios a se afastarem da gestão quando atingirem 65 anos de idade.

Em uma primeira análise, nada há de controverso na regra, principalmente considerando que a mesma estava sendo proposta pelos próprios fundadores e que a mesma não deixa de ser usual. Ocorre, entretanto, que o acionista controlador, detentor de 65% do capital é o sócio mais velho, hoje com 59 anos de idade. E pior, em virtude de conflitos latentes entre aos minoritários, ele é, sem dúvida alguma, o pilar fundamental de sustentação daquela sociedade. Sua saída da gestão colocaria a continuidade do negócio em absoluto risco, já que até a presente data não existe qualquer discussão no tocante a sucessão.

O segundo evento que me fez refletir sobre o tempo neste processo foi a matéria do periódico Exame apresentando a encruzilhada em que se encontra Abílio Diniz, atual controlador do Grupo Pão de Açúcar. A revista ressalta que em 2005, Abílio Diniz alienou participação ao grupo francês Casino, com a assinatura de acordo de acionistas afirmando que a transferência do controle na gestão seria feita em 22 de junho de 2.012.[1]

Veja que tanto em um caso quanto em outro, foram criadas regras determinando a transferência da gestão após 7 anos de sua implementação. Deve-se então refletir sobre os casos.

Não é possível determinar o que se passava na cabeça do controlador do Pão de Açúcar quando firmou o pacto em 2005, mas pela forma que luta para não ceder o controle, é de se imaginar que ele considerou que encontraria, como está tentando fazer agora, um meio de não cede-lo.

Já no caso da empresa familiar enfocada, pode-se afirmar com absoluta convicção que a data da transferência parecia tão distante que deixou de ser efetivamente considerada, deixou de se fazer uma reflexão no sentido de que 7 anos simplesmente voam.

A verdade é que nas sucessões, o fator tempo precisa sempre ser considerado, e sempre com a observação de que os estes processos são longos e precisam ser pensados com antecedência.

Processo de sucessão é sempre um procedimento que implica mudanças culturais. Essas mudanças culturais não são aplicadas por simples desejo e vontade de um ou outro fundador. Dependem da participação de todos aqueles que serão sucedidos, bem como de todos aqueles que pretendem suceder.

O sonho de todos que serão sucedidos é que, por obra do divino, os sucessores se preparem, recebam o treinamento adequado, passem as experiências necessárias a complementar sua formação acadêmica, de maneira que um belo dia a decisão de sucessão seja de tal forma clara que não cause qualquer dúvida, desconforto ou solução de continuidade.

Mas dificilmente esse sonho se realiza. Dificilmente a sucessão é um processo simples, sem dor, sem divergências.  O processo de sucessão tem que ser pensado, discutido, criado para ocorrer permanentemente. As empresas devem pensar em formar os sucessores, em preparar aqueles que estão em posição de suceder para eventuais ocorrências não previstas, e para aquelas que podem ser previstas.

Quando se fala em projetos empresariais, 10 anos pode ser considerado um longo período de tempo. Quando se fala em projetos de sucessão empresarial, isso não é verdade. Por mais que ao se estabelecer a data ela possa parecer distante, formar um sucessor e criar uma estabilidade para que a empresa se beneficie deste processo leva anos. Normalmente décadas. Por isso a existência do programa de sucessão deveria ser contínua.

Desta forma só posso imaginar que, tanto no caso do Pão de Açúcar, quanto no de nossa pequena empresa familiar, ao se estabelecer as regras, foi esquecida a máxima: o tempo realmente passa. E rápido.

Ricardo Barros Brum é advogado do escritório Brum & Advogados Associados, sociedade jurídica de Vitória (ES), com escritórios em Governador Valadares e Nanuque (MG) e em Los Angeles (EUA), com mais de 30 anos de experiência em assuntos pertinentes ao meio empresarial e cooperativo e no relacionamento com a sociedade e com o setor público.



[1] O mundo pós 22 de junho. Matéria do periódico Exame. Edição 1013. Ano 46, nº 6 de 04/04/2012. Pág. 18 e seguintes.