Do momento processual da efetivação da penhora on-line de depósitos em dinheiro e aplicações financeiras e seus efeitos quanto à manutenção das garantias nos executivos fiscais

Transcorridos quase quatro anos desde o início da vigência da Lei Federal nº 13.105/2015 (Código de Processo Civil), diversas dúvidas ainda remanescem para os operadores do direito quanto a algumas inovações trazidas pelo diploma legal. Dentre os pontos que ainda geram debates perante o Poder Judiciário, está a disciplina da penhora on-line por sistemas integrados ao Banco Central do Brasil.

Muitos operadores ainda confundem a constrição de ativos financeiros e depósitos em conta com o próprio ato da penhora, confusão esta que pode acarretar prejuízos às partes caso o próprio julgador não consiga distinguir os atos praticados no curso do procedimento executório, haja vista que a primeira tentativa de constrição de bens do devedor se volta para a penhora em dinheiro.

Ocorre que, a partir do exame da disciplina expressa constante no Código de Processo Civil, constata-se que o ato de indisponibilidade de ativos financeiros ou depósitos bancários via sistema eletrônico (seja o BacenJud ou seu sucessor, o SisbaJud) não se confunde com a penhora, ato executório pelo qual efetivamente se converte a indisponibilidade em garantia da execução, com a transferência do montante bloqueado para conta à disposição do juízo.

Para que se faça a necessária distinção entre os institutos, destaca-se que a própria dicção legal dos arts. 854 e seguintes, do Código de Processo Civil, endossa a conclusão de que a indisponibilidade de ativos financeiros se trata de ato prévio à conversão dos valores em penhora para garantia do juízo da execução:

Art. 854. Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou em aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exequente, sem dar ciência prévia do ato ao executado, determinará às instituições financeiras, por meio de sistema eletrônico gerido pela autoridade supervisora do sistema financeiro nacional, que torne indisponíveis ativos financeiros existentes em nome do executado, limitando-se a indisponibilidade ao valor indicado na execução.

§ 1º No prazo de 24 (vinte e quatro) horas a contar da resposta, de ofício, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade excessiva, o que deverá ser cumprido pela instituição financeira em igual prazo.

§ 2º Tornados indisponíveis os ativos financeiros do executado, este será intimado na pessoa de seu advogado ou, não o tendo, pessoalmente.

§ 3º Incumbe ao executado, no prazo de 5 (cinco) dias, comprovar que:

I – as quantias tornadas indisponíveis são impenhoráveis;

II – ainda remanesce indisponibilidade excessiva de ativos financeiros.

§ 4º Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3º, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou excessiva, a ser cumprido pela instituição financeira em 24 (vinte e quatro) horas.

§ 5º Rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado, converter-se-á a indisponibilidade em penhora, sem necessidade de lavratura de termo, devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução.

O dispositivo legal não poderia ser mais claro em sua redação e mesmo assim ocorre por vezes do regramento expresso ser desconsiderado ou ter sua aplicação desvirtuada pela falsa compreensão de que a indisponibilidade de ativos financeiros já caracteriza o ato de penhora.

Consoante é facilmente observado a partir do dispositivo supra transcrito, a indisponibilidade de ativos financeiros configura ato prévio, determinado pelo juízo a fim de possibilitar uma futura penhora sobre dinheiro depositado ou aplicação financeira da parte executada.

O juiz, somente após observado o procedimento legal estabelecido no próprio art. 854 do Código de Processo Civil para evitar constrições indevidas de ativos porventura impenhoráveis ou em valor excedente ao quantum exequendo, determina a conversão

da indisponibilidade em penhora, para que o montante seja transferido para conta judicial vinculada.

Resta evidente, do exposto, o encadeamento das etapas que culminam com o ato de penhora para garantia da execução, não devendo ambos os institutos serem confundidos quando a letra da lei claramente os distingue.

Portanto, não deve ser confundido o ato de indisponibilidade de ativos financeiros com o próprio ato de penhora, que visa converter em garantia do juízo os bens ou valores de titularidade do executado, para posterior expropriação e satisfação do crédito exequendo.

A partir do exame do o art. 839 do Código Processual Civil, verifica-se que a penhora consiste em dois atos distintos, a saber, a apreensão e o depósito do bem, somente aperfeiçoando-se quando efetivados ambos os atos:

Art. 839. Considerar-se-á feita a penhora mediante a apreensão e o depósito dos bens, lavrando-se um só auto se as diligências forem concluídas no mesmo dia.

Nesse sentido, tratando-se de penhora on-line operacionalizada via convênio com o Banco Central, esta só poderá ser completamente aperfeiçoada quando efetivados ambos os atos, da apreensão representada pela indisponibilidade da quantia, e do depósito, considerada a transferência da respectiva quantia para conta à disposição do juízo, precedida da intimação da parte para se manifestar a respeito da impenhorabilidade dos valores ou indisponibilidade excessiva.

Isso porque, conforme a dicção expressa do Código de Processo Civil, entre tais atos executivos há a oportunidade de o executado apresentar o que convencionou a doutrina chamar de mini impugnação acerca do excesso de indisponibilidade ou impenhorabilidade das quantias, somente realizada a penhora após o transcurso do referido lapso temporal processual, oportunidade em que deverá ser realizada a transferência dos valores bloqueados para conta judicial.

Valemo-nos dos escólios do ilustre processualista Marcelo Abelha1 que aborda o tema ora ventilado, distinguindo as duas etapas – apreensão e depósito –, com clareza solar:

A rigor, sendo a penhora um ato de apreensão e depósito do bem do executado, o que fez o legislador em relação à penhora de dinheiro, primeiro na ordem de preferência da execução para pagamento de quantia (art. 835, § 1.º), foi separar, cronologicamente, o ato de apreensão do ato de depósito.

[...]

Desse ato de indisponibilização será intimado o executado na pessoa de seu advogado para, no prazo de cinco dias, comprovar que a quantia indisponibilizada é impenhorável ou remanesce indisponibilidade excessiva dos ativos financeiros.

Tem-se aí uma mini-impugnação do executado com cognição horizontal limitada porque restrita a impenhorabilidade do bem ou excesso da indisponibilização. Essa impugnação não se confunde com a impugnação ou embargos do executado.

Apenas e tão somente se for rejeitada ou não apresentada a manifestação do executado contra a indisponibilidade é que se passa ao segundo ato que é o depósito do bem indisponibilizado em conta do juízo. Assim, só após rejeitada ou não ofertada a mini-impugnação que se segue o segundo ato que junto com o primeiro aperfeiçoará a penhora da quantia. Enfim, a indisponibilidade financeira apenas se converterá em penhora, sem necessidade de lavratura de termo, se e quando for rejeitada a mini-impugnação e houver a transferência e o depósito da quantia para a conta do juízo, devendo o juiz da execução determinar à instituição financeira depositária que, no prazo de 24 horas, transfira o montante indisponível para conta vinculada ao juízo da execução. Antes disso, o bloqueio do ativo financeiro é feito na própria conta do executado.

No enfrentamento à questão pelas Cortes nacionais, destaca-se a posição do e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o qual manifestou entendimento no sentido de que, somente após a oportunidade de manifestação sobre eventual impenhorabilidade, deverá ser transferido o valor constrito para conta judicial, quando então haverá há conversão em penhora:

3.2) Intime-se o executado, e havendo bloqueio de ativos superior a R$100,00, para, no prazo de 5 (cinco) dias, manifestar-se acerca de eventual impenhorabilidade ou indisponibilidade excessiva dos referidos ativos (art. 854, §§2º e 3º, do CPC). 3.3) Não havendo manifestação do autor acerca de eventual impenhorabilidade ou indisponibilidade excessiva de seus ativos, determino a transferência do valor bloqueado, convertendo-o em penhora, para conta judicial vinculada aos autos, liberando-se eventual valor excedente.

(TRF-4 – Ag 50256550720184040000, Relator: VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA, Data de Julgamento: 10/01/2018, QUARTA TURMA)

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em decisão colegiada recente, no julgamento do Agravo de Instrumento nº 5008193-57.2019.4.02.0000, acolheu o entendimento de que, à luz no Código de Processo Civil de 2015, a penhora somente se efetiva com realização da apreensão e do depósito. Destaca-se excerto do voto condutor do acórdão exarado pela Corte Regional:

[...] o novo Diploma Processual Civil, em seu art. 854, criou um ato constritivo prévio à penhora, o qual denominou de “apreensão de ativos financeiros”. A apreensão ocorre na conta do executado, sem, contudo, ser realizada a transferência automática dos valores para uma conta judicial. Tal ato somente será convolado em penhora, com a consequente transferência e depósito em conta do juízo, após ser dado ao executado a oportunidade de comprovar a existência de uma das hipóteses previstas no artigo 854, §3°.

Com efeito, a imediata transferência dos ativos indisponibilizados para conta à disposição do juízo, sem prévia intimação do executado, é ilegal e fere diretamente a

previsão legal contida no art. 854 do Código de Processo Civil, lesando a garantia constitucional ao devido processo legal e ao contraditório, porquanto não oportunizada a oposição do executado para comprovar o excesso ou a impenhorabilidade das quantias constritas.

No âmbito das execuções fiscais, compreende-se que igualmente ilegal será a manutenção de mera indisponibilidade de ativos como se penhora fosse, caso haja o indeferimento do pedido de liberação das quantias por força da adesão a programa de regularização fiscal, pleito este amparado pelo art. 151, inc VI, do CTN.

Como é sabido, via de regra os programas de parcelamento de débitos tributários trazem previsão expressa no sentido de que as garantias existentes no processo de execução fiscal não poderão ser liberadas até o momento da quitação. Em tais hipóteses, a previsão não poderá alcançar os valores que foram atingidos somente pelo ato de indisponibilidade, sem o posterior ato de depósito que convola a apreensão em penhora.

Nem se diga que os valores eventualmente tornados indisponíveis poderiam ser penhorados após a adesão a programa de parcelamento de débitos tributários. A sempre precisa doutrina de Alexandre de Freitas Câmara registra que a penhora se trata de ato executivo que tem como efeito garantir o juízo da execução2, ato este que não pode ser efetivado quando suspenso o curso da ação executória por ocasião do parcelamento, em razão da suspensão da exigibilidade do crédito por força do já mencionado art. 151, inc VI, do CTN:

A penhora é, como se verifica pela definição apresentada, ato executivo, através do qual se apreendem bens do executado, implementando-se, assim, a sujeição patrimonial que se tomou possível em razão da responsabilidade patrimonial. [...]

A penhora produz efeitos de duas ordens: processuais e materiais, que passo a analisar. Diga-se, desde logo, porém, que são efeitos processuais da penhora:

a) garantir o juízo; (grifo e destaque nosso)

A partir da previsão legal expressa e da posição doutrinária, constata-se que os valores constritos via penhora on-line somente se convertem em garantia com a sua transferência para a conta judicial, tratando-se de mera indisponibilidade antes da conversão em penhora, de modo que não admite o ordenamento jurídico a sua manutenção como se garantia do juízo fosse.

Diante do exposto, conclui-se que o Código de Processo Civil vigente promove notória distinção entre os efeitos da indisponibilidade de ativos financeiros e os efeitos da penhora, para os necessários fins processuais (contagem de prazo para embargos do devedor, manutenção de garantias do juízo na hipótese de parcelamento de débitos tributários, etc.).

A partir de tal premissa, a adesão a parcelamentos de débitos tributários que ensejem a manutenção de garantias prestadas no juízo da execução fiscal não poderá atingir as quantias eventualmente tornadas indisponíveis e ainda não depositadas à disposição do juízo, por não se revestirem da natureza de garantia do juízo da execução, devendo o magistrado promover a liberação de tais valores.

Paulo Rômulo Maciel de Souza Júnior, Advogado na equipe Tributária e Fiscal.