Rescisão em comum acordo do contrato de trabalho da empregada gestante

Há grande chance de o procedimento ser validado em eventual discussão judicial, mormente se comprovada a expressa vontade da obreira em deixar o trabalho e realizar o acordo rescisório (sugere-se que por meio de e-mail ou declaração de próprio punho), e se essa for realizada com a assistência do Sindicato de classe ou do próprio Ministério do Trabalho.

Com o advento da 13.497/17, a chamada “reforma trabalhista”, surgiu a possibilidade de rescisão amigável, nos moldes do art. 484-A da CLT, segundo o qual o contrato de trabalho poderá ser extinto por acordo entre empregado e empregador, circunstância em que serão devidas as seguintes verbas: aviso prévio indenizado e indenização da multa do FGTS pela metade, demais verbas rescisórias na sua integralidade.

O aludido dispositivo ainda veda o ingresso no Seguro Desemprego, assim como limita a possibilidade de saque da conta vinculada do FGTS em até 80%, na hipótese de rescisão realizada em comum acordo.

Autorizada pela novel legislação trabalhista a rescisão “amigável” do contrato de trabalho, surge o questionamento acerca da possibilidade de sua aplicação ao caso da empregada gestante.

Sabe-se que a alínea “b”, II do art. 10 do ADCT da Constituição Federal, confere garantia de emprego à gestante, desde a confirmação da gravidez, até cinco meses após o parto.

Tendo a colaboradora gestante garantia no emprego, a demissão por iniciativa do empregador é vedada, exceto quando por justa causa. Alguns julgadores entendem até mesmo que o direito à estabilidade da gestante é irrenunciável, por se tratar de uma garantia ao próprio nascituro, vejamos os entendimentos abaixo:

GESTANTE – GARANTIA DE EMPREGO INCONDICIONADA E IRRENUNCIÁVEL – A alínea “b”, II, do art.10 do ADCT da CF confere garantia objetiva de emprego à gestante desde a confirmação da gravidez. Com a expressão “confirmação”, quis o legislador referir-se à data da concepção ratificada por laudo médico. Portanto, o escopo da norma é mesmo o de impedir a dispensa, sem justo motivo, da trabalhadora grávida. A responsabilidade da empresa é objetiva, não podendo ser restringida sequer por norma coletiva, porque, além da óbvia proteção à gestante, a tutela jurídica também se direciona ao nascituro, cujos direitos encontram-se preservados desde a concepção (art. 4º, CCB/16 , e art. 2º do CCBvigente). A proteção objetiva que dimana da lei civil e da Constituição Federal, no caso da tutela à gestante e ao nascituro, marcha em perfeita harmonia com a teoria da responsabilidade em face do risco da atividade econômica (art. 2 º da CLT). A estabilidade provisória da gestante não pode, assim, estar condicionada, sob pena de se inviabilizar esse direito fundamental, cujo gozo dependeria sempre da boa-fé do empregador. Acompanhando o E. STF, o C. TST consagrou a tese objetivista, por meio da Súmula nº 244, inciso I, e da Orientação Jurisprudencial nº 30, da SDC. Irrelevante, assim, o conhecimento do estado gravídico, quer do empregador ou mesmo da empregada, se o estado gestacional remonta à vigência do contrato. Da mesma forma, cumpre destacar o entendimento que vem sendo pacificado no âmbito do C. TST, no sentido de que o direito à garantia de emprego da gestante é irrenunciável, haja vista que se trata de instrumento jurídico que visa a proteção não somente da mãe, mas também, e, principalmente, à vida do nascituro. A reclamante faz jus, portanto, à garantia de emprego, nos moldes do artigo 10 do ADCT . Recurso da reclamada ao qual se nega provimento. Item de recurso Dispensado o relatório, por força do disposto no artigo 852, inciso I, da CLT , com a redação dada pela 9.957/00. (TRT-02ª R. – ROPS 1001868-87.2017.5.02.0464 – rel. Ricardo Artur Costa e Trigueiros – DJe 23.08.2018 – p. 16389)

 - ESTABILIDADE PROVISÓRIA DA GESTANTE – O art. 10, II, “b”, do ADCT , conferiu à empregada gestante a garantia de emprego, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, circunstância que representa limitação ao poder potestativo do empregador, que fica, portanto, impedido de dispensar injustamente a empregada no período. O leque de proteção objetivada pelo legislador, ao assegurar o emprego à gestante, abrange ambos: gestante e nascituro. Procurou-se garantir a estabilidade financeira da empregada que, em face de seu estado gestacional, dificilmente encontraria recolocação no mercado de trabalho. Esclareça-se, para que dúvidas não pairem, que é irrelevante que a empresa não tivesse sido comunicada quando da rescisão contratual do estado gravídico. Insta salientar que a Súmula 244 do Colendo TST (ex-Orientação Jurisprudencial 88 da SDI/TST) estabelece o seguinte, no item I: “O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, b, ADCT)”. Desse modo, o desconhecimento da gravidez, pelo empregador, no ato da dispensa, não afasta o direito à garantia de emprego, assegurada constitucionalmente. Neste diapasão, nem mesmo eventual demora na postulação de seus direitos tem o condão de estabelecer tal limitação à Autora, tendo em vista tratar-se de garantia mínima constitucional, irrenunciável. A fruição do Direito não está adstrita a nenhum outro prazo que não seja o de prescrição, não se podendo extrair presunção desfavorável à gestante do fato de haver ela proposto a ação perto ou após o decurso do tempo da garantia de emprego. Portanto, independente de qualquer notificação, constatada a gravidez da empregada durante o contrato de trabalho, ela faz jus à garantia provisória de emprego nos termos do artigo 10, II, “b” do ADCT. (TRT-03ª R. – RO 001148689.2016.5.03.0073 – 1ª T. – rel. Luiz Otavio Linhares Renault – J. 29.5.17)

Entretanto, o TST tem firmado entendimento no sentido que, se comprovada a real vontade da colaboradora em sair da empresa, livre de qualquer vício de consentimento, é válido o pedido de demissão, desde que realizado na presença do Sindicato de classe, e, se não houver, perante a autoridade local competente do Ministério do Trabalho ou Justiça do Trabalho, considerando o disposto no art. 500 da CLT, abaixo transcrito:

Art. 500 – O pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho.

Observemos agora o entendimento apresentado nos julgados do Tribunal Superior do Trabalho:

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – LEIS 13.015/14 E 13.105/15 – ESTABILIDADE DA GESTANTE – PEDIDO DE DEMISSÃO – ASSISTÊNCIA SINDICAL – NECESSIDADE – A Jurisprudência desta Corte, na esteira do entendimento do Supremo Tribunal Federal, inclinou-se no sentido de reconhecer a estabilidade provisória decorrente de gestação no curso dos contratos de trabalho, independentemente da sua duração, fato que culminou na nova redação do item III da Súmula nº 244 do TST, segundo o qual “a empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea ‘ b’ , do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado”. A interpretação que deu origem à atual redação decorre do estabelecido no artigo 10, II, “b” do ADCT da Constituição Federal, o qual dispõe ser vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto, não impondo nenhuma restrição quanto à modalidade de contrato de trabalho. Não havendo dúvida de que a concepção se deu no curso do contrato de trabalho, como no caso, é devido o pagamento da indenização decorrente da estabilidade da gestante, independentemente do conhecimento do estado gravídico pelo empregador ou até mesmo pela gestante. Ademais, consta do acórdão regional que não foi cumprida a exigência legal da assistência sindical para a validade do pedido de demissão. Consoante dispõe o artigo500 da CLT, entende-se que “o pedido de demissão do empregado estável só será válido quando feito com a assistência do respectivo Sindicato e, se não o houver, perante autoridade local competente do Ministério do Trabalho e Previdência Social ou da Justiça do Trabalho”, de sorte que se revela imprescindível, em caso de pedido de demissão formulado por empregada gestante, a observância do requisito formal previsto no dispositivo em apreço, porquanto essencial à legitimidade do ato. Precedentes. Estando a decisão recorrida em consonância a jurisprudência desta Corte Superior, incidem os óbices constantes no artigo 896 , § 7º, da CLT e na súmula 333 /TST. Agravo de instrumento conhecido e desprovido. (TST – AIRR 11892-92.2015.5.15.0144 – rel. min. Alexandre de Souza Agra Belmonte – DJe 07.01.2019)

- PEDIDO DE DEMISSÃO – ESTABILIDADE GESTANTE – O pedido de demissão realizado de livre e espontânea vontade implica na renúncia da estabilidade decorrente da gravidez. (TRT-02ª R. – RO 1000588-83.2018.5.02.0064 – rel. Jose Ruffolo – DJe 28.02.2019 – p. 22969)

ESTANTE – PEDIDO DE DEMISSÃO VÁLIDO – ESTABILIDADE – Não havendo vício de vontade no pedido de demissão, não há que falar na garantia de estabilidade constitucional prevista no artigo 10, II, b, do ADCT , tendo em vista que o dispositivo não abarca a situação em que a empregada pede dispensa, e sim, casos de dispensa arbitrária ou sem justa causa. Recurso ordinário conhecido e improvido. (TRT-22ª R. – RO 000123481.2017.5.22.0002 – rel. Wellington Jim Boavista – DJe 07.02.2019 – p. 395)

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – RITO SUMARÍSSIMO – GESTANTE – ESTABILIDADE PROVISÓRIA – PEDIDO DE DEMISSÃO – A Corte de origem negou provimento ao recurso ordinário da reclamante com base no exame das provas existentes nos autos, pelas quais restou incontroverso que a rescisão contratual ocorreu por iniciativa da própria reclamante, não restando comprovada a existência de nenhum vício de consentimento no seu pedido de demissão. Incólumes o artigo 10, II, “b”, do ADCT e a súmula 244 do TST, pois não houve dispensa arbitrária ou sem justa causa. Agravo de instrumento conhecido e não provido. (TST – AIRR 10182-90.2018.5.03.0168 – relª minª Dora Maria da Costa – DJe 1.3.19)

A respeito da possibilidade de rescisão em comum acordo, nos moldes do art. 484-A da CLT, por se tratar de alteração recente, não se tem até o momento conhecimento de entendimentos consolidados na jurisprudência acerca da possibilidade de sua aplicação ao caso de empregado estável, em especial, às gestantes.

Logo, o procedimento envolve riscos, sobretudo porque as alterações da legislação trabalhista são alvo de constantes questionamentos no judiciário brasileiro e nesse tipo de rescisão a iniciativa é de ambos e não tão somente da colaboradora gestante.

Entretanto, salvo melhor juízo, há grande chance de o procedimento ser validado em eventual discussão judicial, mormente se comprovada a expressa vontade da obreira em deixar o trabalho e realizar o acordo rescisório (sugere-se que por meio de e-mail ou declaração de próprio punho), e se essa for realizada com a assistência do Sindicato de classe ou do próprio Ministério do Trabalho.

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 *Thyara Stelzer é advogada trabalhista do escritório Brum e Advogados Associados.
Fonte:
https://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI303533,101048-Rescisao+em+comum+acordo+do+contrato+de+trabalho+da+empregada+gestante