Construção Civil – Ilegalidade de dupla cobrança do ISSQN na cadeia de serviços

O SINDUSCON em São Paulo recentemente comemorou mais uma vitória da construção civil quanto à tributação da atividade pelos municípios por meio do imposto sobre serviços de qualquer natureza, o ISSQN, ou simplesmente ISS.

Referido tributo é previsto na Constituição Federal como forma de financiamento dos entes municipais. O governo federal é quem edita as regras gerais sobre o ISS, regras que deverão ser observadas por cada um dos municípios quando da edição de suas leis para a cobrança do tributo.

No caso em questão, a regra editada pelo governo federal é a lei complementar nº 116. A partir dela, respeitando os limites ali impostos, é que os municípios redigirão suas leis. É a lei complementar que lista todos os serviços que são passíveis de tributação pelo ISS, dentre eles, como se sabe, os de engenharia, arquitetura e construção civil em geral, bem como diversos outros a eles relacionados.

Os municípios, para não deixar escapar qualquer moeda, repetem a lista de serviços da lei complementar e, não raras vezes, acrescentam outros, tentando alcançar todo o universo de serviços possíveis. Aí começam as ilegalidades e o arrocho fiscal às empresas.

A ânsia arrecadatória, no entanto, é tão grande que as ilegalidades não param por aí. Os municípios extrapolam não só quando da redação da lei, mas também quando de sua aplicação. Em verdade, pretendem cobrar o ISS até mesmo de serviços já tributados na cadeia produtiva e não só do efetivo serviço por último realizado.

Explica-se: o serviço de concretagem, por exemplo, sujeita-se ao pagamento do ISS. Do mesmo modo, o serviço próprio de execução de obra por empreitada. Suponha-se, no entanto, que o executor da obra contrate de outra empresa o serviço de concretagem. A empresa concretadora deverá recolher o ISS sobre o valor do serviço prestado à empreiteira. Esta última, por sua vez, ao cobrar do seu contratante os serviços prestados, discrimina em sua nota, além do seu, o serviço de concretagem.

Em casos como o do exemplo, após já haver recebido o ISS relativo ao serviço de concretagem, o município cobra da empreiteira o ISS sobre o valor total da nota – que inclui tanto o serviço de concretagem quanto o da execução da obra – e não só sobre o serviço da empreiteira.

Perceba, portanto, que assim agindo, o município acaba por receber duas vezes o tributo sobre o serviço de concretagem: primeiro, da própria empresa que realiza a concretagem; depois, sobre o serviço de concretagem embutido na nota da empreiteira. Verdadeiro absurdo, não?

A situação, quando se trata de obras de particulares, não se apresenta de forma tão grave, uma vez que o empreiteiro pode apresentar a nota do serviço contratado de outra empresa, não necessitando embutir preços de outros serviços subcontratados. Em sua nota figurará apenas o valor de seus serviços de execução de obra.

Ao revés, nas obras executadas em favor do Poder Público não se pode apresentar notas de terceiros e exigir o pagamento da Administração. Nestes casos, o órgão contratante apenas pode pagar àquela empresa com quem contratou. Desta forma, necessariamente, todos os serviços terceirizados ou subcontratados constarão da fatura da empreiteira. Em casos tais, o órgão público, ao realizar o pagamento, retém o ISS, não só sobre o valor do específico serviço de execução, mas de todo o valor da nota, inclusive os que se referem a serviços já tributados, cujo ISS incidente já fora recolhido.

Podem-se citar aqui diversos serviços geralmente contratados pela executora – e lançados em sua fatura na ocasião da cobrança – que permitem ao município exercitar a dupla tributação: demolição, terraplenagem, drenagem, escoramento, jardinagem, instalação de gesso, vidros, etc.

É essa nefasta prática que deve ser combatida.

Alguns municípios sequer tentam disfarçar a absurda cobrança. Reputando agirem dentro da legalidade, admitem a dupla cobrança, e autorizam – como se benefício fosse – o contribuinte a abater parte – apenas parte – do ISS recolhido sobre os serviços terceirizados ou subcontratados. É o caso, por exemplo, do município de Guarulhos, que saiu derrotado na batalha judicial que permitiu a comemoração pelo SINDUSCON-SP, referido no início do texto.

Nos municípios do Espírito Santo, a situação não é diferente, apresentando-se mais acentuada, como não poderia deixar de ser, naqueles onde a administração tributária é mais organizada. A verdade é que os municípios – cuja receita é cada dia reduzida em razão da política do governo central – na quase totalizada das vezes, aplicam a mais ampla interpretação da lei tributária, de modo a, ‘aumentando a peneira’, ampliar a arrecadação.

Para combater este mal, só o remédio aplicado pelo judiciário. A boa notícia nisso tudo é que os tribunais não têm abandonado o contribuinte. Aqueles que buscam a tutela jurisdicional, em inúmeras hipóteses, vêm obtendo respostas que confirmam as ilegalidades cometidas pela administração tributária, como a aqui tratada. O resultado: mais dinheiro em caixa.

Rodolfo Santos Silvestre é advogado do escritório Brum & Advogados Associados, sociedade jurídica de Vitória (ES), com escritórios em Governador Valadares e Nanuque (MG) e em Los Angeles (EUA), com mais de 30 anos de experiência em assuntos pertinentes ao meio empresarial e cooperativo e no relacionamento com a sociedade e com o setor público.